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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O tesouro da vida

Quando a coordenação  motora já não é a mesma , quando a mente já não armazena  tudo que deveria.

Quando a pele fica enrugada
Os olhos não mais vêem com clareza,
Nada disso importa  é o que realmente importa  são as lembranças que o coração guardou.
A juventude não tem a riqueza dessas lembranças.

A velhice sim tem um tesouro guardado que ninguém poderá roubá-lo.
A Velhice Pede DesculpasTão velho estou como árvore no inverno, 
vulcão sufocado, pássaro sonolento. 
Tão velho estou, de pálpebras baixas, 
acostumado apenas ao som das músicas, 
à forma das letras. 

Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético 
dos provisórios dias do mundo: 
Mas há um sol eterno, eterno e brando 
e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir. 

Desculpai-me esta face, que se fez resignada: 
já não é a minha, mas a do tempo, 
com seus muitos episódios. 

Desculpai-me não ser bem eu: 
mas um fantasma de tudo. 
Recebereis em mim muitos mil anos, é certo, 
com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras. 

Desculpai-me viver ainda: 
que os destroços, mesmo os da maior glória, 
são na verdade só destroços, destroços. 

Cecília Meireles.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Mestres

15/10/2013  Minha homenagem aos professores, a quem tanto devemos.
O que da vida não se descreve...
Eu me recordo daquele dia. O professor de redação me desafiou a descrever o sabor da laranja. Era dia de prova e o desafio valeria como avaliação final. Eu fiquei paralisado por um bom tempo, sem que nada fosse registrado no papel. Tudo o que eu sabia sobre o gosto da laranja não podia ser traduzido para o universo das palavras. Era um sabor sem saber, como se o aprimorado do gosto não pertencesse ao tortuoso discurso da epistemologia e suas definições tão exatas. Diante da página em branco eu visitava minhas lembranças felizes, quando na mais tenra infância eu via meu pai chegar em sua bicicleta Monark, trazendo na garupa um imenso saco de laranjas. A cena era tão concreta dentro de mim, que eu podia sentir a felicidade em seu odor cítrico e nuanças alaranjadas. A vida feliz, parte miúda de um tempo imenso; alegrias alojadas em gomos caudalosos, abraçados como se fossem grandes amigos, filhos gerados em movimento único de nascer. Tudo era meu; tudo já era sabido, porque já sentido. Mas como transpor esta distância entre o que sei, porque senti, para o que ainda não sei dizer do que já senti? Como falar do sabor da laranja, mas sem com ele ser injusto, tornando-o menor, esmagando-o, reduzindo-o ao bagaço de minha parca literatura?

Não hesitei. Na imensa folha em branco registrei uma única frase. "Sobre o sabor eu não sei dizer. Eu só sei sentir!"

Eu nunca mais pude esquecer aquele dia. A experiência foi reveladora. Eu gosto de laranja, mas até hoje ainda me sinto inapto para descrever o seu gosto. O que dele experimento pertence à ordem das coisas inatingíveis. Metafísica dos sabores? Pode ser...

O interessante é que a laranja se desdobra em inúmeras realidades. Vez em quando, eu me pego diante da vida sofrendo a mesma angústia daquele dia. O que posso falar sobre o que sinto? Qual é a palavra que pode alcançar, de maneira eficaz, a natureza metafísica dos meus afetos? O que posso responder ao terapeuta, no momento em que me pede para descrever o que estou sentindo? Há palavras que possam alcançar as raízes de nossas angústias?

Não sei. Prefiro permanecer no silêncio da contemplação. É sacral o que sinto, assim como também está revestido de sacralidade o sabor que experimento. Sabores e saberes são rimas preciosas, mas não são realidades que sobrevivem à superfície. 

Querer a profundidade das coisas é um jeito sábio de resolver os conflitos. Muitos sofrimentos nascem e são alimentados a partir de perguntas idiotas. 

Quero aprender a perguntar menos. Eu espero ansioso por este dia. Quero descobrir a graça de sorrir diante de tudo o que ainda não sei. Quero que a matriz de minhas alegrias seja o que da vida não se descreve...



Padre Fábio de Melo

Ao mestre com carinho (To sir with love)

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